terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

A Arte de pôr as mãos no bolso


Por Fabrício Carpinejar

Sensualidade é elegância. Temos como parâmetro afrodisíaco a mulher que usa vestido, decote, que mostra as virilhas e os seios. É a imagem praiana, tropical, sestrosa. A clássica cena latina, da modelo voluptuosa, transbordante, oferecida, rebolando sem parar e, claro, de bunda avantajada.

Não é isso que me interessa. Chupar os dedos e descruzar as pernas tampouco paralisam meu olhar.

Também nunca fui fã da garota de Ipanema, ela não saiu da infância do sexo.

A discrição é que me excita. A discrição que é selvagem. A discrição é que oculta os poderes intuitivos. Um verdadeiro animal não se entrega de primeira.

Nada mais elegante (e sexy) do que uma mulher com calça de alfaiataria, de algodão, com corte apropriado e honesto.

É na calça que ela vai demonstrar toda sua cultura, temperamento e domínio de lugar.

É na hora de colocar as mãos no bolso.

Mulher que sabe colocar as mãos no bolso me desconcerta e me alucina.

Tem vocação de imperatriz. Não teme a masculinidade do traje. Não é afetada, não precisa apelar para a roupa colada, não promove nenhuma exibição gratuita das coxas.

A sobriedade é ainda um concurso insuperável de beleza. Ser bonita de saia é fácil. Vá colocar uma calça e atrair a rapaziada para compreender o que é empatia da pele.

Eu me apaixono na hora. Entrego o carro como entrada de apartamento, largo a estrada pela varanda.

Além de manter o mistério, ela venceu o maior desafio da aparência: pôr as mãos no bolso e não transpirar timidez, desconforto e confusão.

O bolso representa um desafio de intimidade. Uma prova de autenticidade.

É como preparar arroz. É simples, mas a maioria erra o ponto.

Eu até hoje não tenho prática. Amontoo os dedos, não relaxo, mexo as chaves, jogo um fla-flu com as moedas, coço o saco, fico tenso e ridículo. Quem me olha jura que faço pose, beiço, chantagem ou – pior – que estou apertado.

Mulheres que conseguem colocar belamente as mãos no bolso são decididas, transam maravilhosamente, não têm vergonha do corpo e do amor.

Não serão fantoches do trabalho, ou dos clichês.

O bolso é uma luva, o bolso é uma bolsinha de festa, o bolso é o avesso do mundo.

É previsível – não duvide – que elas vão terminar colocando seu homem no bolso.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Reciprocidade


Por Alceu Valença

Neste momento em que o frevo acaba de ser declarado Patrimônio Imaterial da Humanidade, pela Unesco, os pernambucanos têm uma preciosa oportunidade de repensar sua relação com o principal gênero do nosso carnaval. Embora as manifestações populares pelo gênero sejam evidentes e insofismáveis, há motivos para nos preocuparmos com o futuro do frevo. Há tempos, venho batendo na mesma tecla sem que haja uma mobilização consistente sobre o tema. O frevo sumiu das programações da maioria da rádios - com honrosas e raríssimas exceções - no que pode ser considerado um verdadeiro atentado contra nossa identidade foliã mais visível e mais aclamada dentro e fora de Pernambuco.

As rádios são concessões públicas e, por sua vez, deveriam por lei zelar pela cultura brasileira. Em vez disso, infestam suas programações com música de má qualidade, estrangeira, comercial ou pasteurizada. Não aceito o argumento bobo e infantil de que "as rádios tocam o que o povo gosta", como se não houvesse um domínio, uma relação de superioridade entre os grandes monopólios da indústria do entretenimento e as imposições do capital e dos lucros industriais sobre suas programações. Caso não haja uma mudança de filosofia, os danos de hoje podem se estender por gerações. Os novos talentos se espelham em artistas consagrados, mas se determinado gênero não toca, eles se espelharão em estilos de qualidade precária que povoam os dials.

Na minha opinião, os artistas deveriam fazer uma vigília diante das rádios e exigir que o frevo volte a fazer parte de suas programações. Manifestações populares evidenciam que o povo pernambucano ama o frevo e quer que ele predomine no nosso carnaval. Por que será então que determinados meios de comunicação insistem em fechar os olhos para esta realidade e continuam a nos oferecer seu cardápio insosso, seu hambúrguer requentado com sabor de lixo cultural glamurizado?

Uma das maiores características do carnaval de Pernambuco é o ato de as pessoas fantasiarem-se nas ruas e nos bailes. Toda vez que me apresento no Baile Municipal fico emocionado ao ver as pessoas incorporadas em piratas, palhaços, papangus, pierrôs, colombinas e sinto a pernambucanidade aflorar de maneira contundente e arrebatadora em cada folião que canta comigo meu repertório carnavalesco de frevos, maracatus e cirandas. Entretanto, não suporto bailes onde as pessoas se comportam como outdoors ambulantes, fardadas de camisetas com a marca de algum patrocinador. Isso me causa dor.

Outro ponto que considero relevante nesta discussão é o que chamo de projeto reciprocidade. É notório que o nosso carnaval tem se mostrado demasiadamente generoso com artistas de todos os estilos e de diversas regiões do Brasil. A recíproca, no entanto, está longe de ser verdadeira. Proponho uma ação diplomática entre as secretarias de Cultura e Turismo dos estados e dos municípios, de modo que os artistas pernambucanos frequentem eventos de outros estados com a mesma assiduidade com que os artistas de todo Brasil vêm mostrar seus trabalhos por aqui. A cada vez que promissores nomes da nova cena musical brasileira venham formar público em Pernambuco, será de muito bom tom que os novos artistas pernambucanos tenham palco em outras praças - o que nem sempre acontece.

A mistura multicultural é uma proposta elogiável, mas é preciso que se analise direitinho para que os conceitos não se percam, culminando numa indesejável diluição da identidade artística e cultural de Pernambuco. A rigor, trata-se de uma reflexão que precisa ser estendida à própria cultura brasileira, formada atavicamente pela miscigenação entre diversos povos e culturas. Nossa matriz portuguesa, cuja influência é visível nas melodias dolentes de nossos frevos de bloco, é formada pela mistura das influências celtas, árabes e galegas. Fala-se muito em africanidade, mas esta atualmente tem de passar pelo soul americano (vide os trejeitos e afetações dos participantes de tantos programas de televisão), como se cantar com "alma" tenha que ser algo mais ligado ao espírito anglófono do que às próprias entidades africanas. Informo aos candidatos a cantores que a nossa alma não é soul e que existem voos diretos para Angola, sem precisar fazer escala no Bronx, no Harlem ou em Detroit. Os americanos sabem como ninguém valorizar sua cultura. Valorizemos a nossa.

Tenho utilizado constantemente as ferramentas das redes sociais e acredito que a internet possa representar uma mudança nestes novos paradigmas, uma vez que esta tem mais condições de se distanciar da manipulação do comércio, do dinheiro e do jabaculê que assolam as relações entre a cultura e a indústria de entretenimento pós-modernas. Como artista e pensador, me considero um ser planetário e sonho o dia em que teremos um mundo sem fronteiras, sem barreiras culturais ou econômicas. Mas enquanto elas existirem sou mais brasileiro e mais pernambucano.