domingo, 14 de março de 2010

Construção da mulher "vitoriosa"

    Não é tão difícil de ver uma depreciação da mulher na TV. E ainda tem gente que não percebe. Mas o que mais se viu nessa semana da mulher, não podia ser diferente, foi toda uma recapitulação clichê nos canais sobre uma possível vitória plena da dita mulher moderna. Infelizmente não é bem assim, pois as mulheres ainda têm muitos desafios pela frente, não só de desconstruir a sua imagem de objeto colocada na mídia, mas sobretudo, lutar contra o simulacro da mulher moderna vencedora. Antes que as feministas de plantão saiam queimando sutiãs, quero dizer que isso não é papo de “macho alfa”.



    Inegável são as conquistas das mulheres. Toda luta para sair da escravidão doméstica valeu a pena e ela foi ganhando espaço no mercado de trabalho. Aí que começa a relação mídia-mulher, no pós-guerra. A mulher agora podia ser consumidora, em outras palavras, saiu de uma escravidão para entrar em outra. O pós-guerra deu o direito da mulher se inserir na vida produtiva, não que o trabalho doméstico não seja produtivo, mas era assim que o machismo o via. A partir daí a mídia foi moldando o conceito de mulher vencedora. O exemplo mais contundente é o do cigarro. Cigarro era coisa de homem. E simbolicamente, para as mulheres serem poderosas, teriam que fumar. Fumar era charme, poder, era ser diferente das mulheres da época, era independência. Isso mesmo, independência. Hoje a independência se tornou dependência das viciadas e arrependidas mulheres que sonham em deixar de fumar. Fumar hoje é inconveniente, desrespeitoso e, sobretudo, para aquelas que gostam de seguir tendências, está fora de moda.


    Recentemente a mídia teve acesso a uma curiosa descoberta a seu favor: mais de 70% dos telespectadores são mulheres e elas são responsáveis por boa parte da decisão de consumo numa família. Estava pronta a chance de explorar a mulher. Nada mais oportuno para criar programas de auditório feito para elas. Todos criam uma imagem. Existem aqueles que montam a mulher frágil, sempre com psicólogos, médicos e uma cozinha, esta que é contraditória, pois logo vem uma propaganda de um sheik de emagrecimento, ou seja, não importa o que seja, a mulher é passiva o suficiente para o consumo, mesmo que seja para comer muito antes e tomar um sheik depois. O sheik e o emagrecimento também estão presentes no programa de Luciana Gimenez na Redetv, onde mulheres de langeries minúsculas desfilam, dando a sensação de que se não tiverem aqueles corpos a mulher será mal-sucedida na relação com seu marido. Já o programa de Márcia Goldschimidt explora problemas pessoais na frente de todos, constrangendo seus personagens, quando não falsos personagens que são pagos para fazer teatro ali, motivo este que o programa está sendo alvo do Ministério Público. Sem falar na “dieta cultural” do fim de semana, em que as mulheres só fazem rebolar e mostrar seus úteros nas lentes das câmeras, uma tremenda agressão; não é a toa que as meninas agora só querem dançar o profundo (não em letras, mas sim por outro ângulo) “Rebolation”.

    Tânia Montoro, professora de Comunicação da UnB, fez um interessante trabalho de pós-doutorado sobre participação da mulher no cinema. A professora chegou a algumas conclusões após muita pesquisa e entrevista:

1 – mulher forte só aparece na forma individual e extraordinária, a característica parece anormal se for considerado o grupo mulher.

2 – o cinema do Brasil é o que mais foca o corpo da mulher

3 – existe mulher que toma calmante para controlar a ansiedade e o peso, revelando um novo escravismo: a ditadura do corpo.

4 – o desempenho do corpo move a mulher que se apresenta no cinema, influenciando as que assistem. Ficar velha é tão ruim como se não houvesse a beleza de cada idade. Elas passam a não se aceitarem, o que é um problema grave. A sociedade tem medo da passagem da idade, a mulher é construída em cima do corpo enquanto é reprodutivo, depois disso não serve mais.

5 – crianças quando pedidas para desenhar o corpo ideal de uma mulher mostravam o visto na TV, não o imaginado. As crianças já são expostas a um único tipo de beleza, ligada a magreza.

6 – As diaristas de Brasília, por receberem muito bem, não se reconheciam como a maioria da classe no seriado A Diarista, da TV Globo, em que apresenta a gorda e engraçada empregada como personagem principal que enrola o patrão.


    O seriado Sexy and City, criado em 2000, mostra a conquista da mulher moderna, o estereótipo de sucesso é o status do bom posicionamento econômico e a beleza exterior; tudo isso representando poder. Por elas serem bonitas e ricas, são consumidoras e desejadas. O que é um contra-senso brasileiro, em que a mulher não recebe tão bem pelo seu trabalho. A vitória no caso, é o do consumismo e do sonho americano de ser, não da mulher cidadã que participa de uma construção de um país melhor. Mais uma vez, a mulher se mostra mentirosamente ativa.


    Se a mulher de hoje trabalha e é consumista, o que dizer das propagandas que nem como consumistas as mulheres são colocadas? Pior do que ser consumista é a mulher que chama o consumo ou ainda a mulher passa a ser o próprio produto. Essas duas últimas relações são vistas nas propagandas de cerveja. A Kaiser na década de 1990 tinha o seguinte slogan: “mulher e cerveja, produtos da casa”. Logo depois de ter saído do ar por determinação da justiça, as propagandas de cerveja associando mulher e cerveja são mais cautelosas, mas não menos mal intencionadas. Um homem beber cerveja passou a significar uma chance de “pegar” certos tipos de mulheres. E o pior disso tudo são mulheres que dão prosseguimento a essa idéia imposta pela mídia, achando que participar de certas ações estarão incluídas em um meio social; cúmulo do medo da solidão.


    Outro tipo de solidão foi falada por Arnaldo Jabor certa vez. Para ele, a mulher está presa agora pelo sexo. "Anos de repressão sexual dá nisso, mulher se diz independente quando transa com vários na semana", disse. Coisa que também percebi em certos comentários de algumas acorrentadas pervertidas. Para algumas, o conceito de liberdade é ir pra cama com o maior número de homens possível.


    As mulheres devem combater esse tipo de bombardeio, porque senão, continuarão aprisionadas com a falsa liberdade que é propagada. As mulheres de hoje estão tão presas que elas nem imaginam. Portanto, muita coisa ainda deve ser feita, como ignorar o contínuo discurso machista do Dia Internacional da Mulher que ela conquistou tudo.

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