sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

A comunicação comercial domina a informação, falta diversidade e pluralidade



Victor Zacharias


Ontem, dia 13, na Câmara Municipal de São Paulo, Frank de La Rue, relator da ONU, para as questões de Liberdade de Expressão, cumpriu mais um dia da sua agenda no Brasil. Ele foi convidado pela Campanha: Para expressar a liberdade para debater sobre esse tema fundamental com o governo, sociedade e movimentos sociais.

Ele começou dizendo que não há democracia sem informação, por que é a maneira óbvia de participação cidadã, disse Frank, não há democracia sem o acesso a informação pública, por que faz parte da transparência e do jornalismo investigativo.

Os princípios para as regras da comunicação variam em todo o mundo, a proposta é tomar como base o artigo XIX - Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras. A utilização desse princípio deve ser articulada com todos os outros da Declaração dos Direitos Humanos da ONU.

A liberdade de expressão se exerce de forma individual, todos temos o direito de buscar informação para desenvolver nossas opiniões e expressá-las, por outro lado é coletivo, por que podemos formar associações para nos expressarmos coletivamente. É o direito de uma sociedade de estar informada. Liberdade de imprensa é o direito do jornalista de informar e investigar sem censura, porém deve fazê-lo com diversidade e pluralidade.

Na América Latina cometemos um erro social, permitimos que a comunicação fosse vista somente do ponto de vista comercial, Frank completou, isso é importante, mas nem toda comunicação deve ser assim. A comunicação é sobre tudo um serviço à sociedade e deve ser de qualidade, isto é, com diversidade de meios e pluralismo de idéias e posições. As informações da mídia desenvolvem o pesamento individual, por isso é preciso recebê-las de várias fontes com diferentes pontos de vista, que devem ser contraditórios, assim cada um forma sua opinião. Na educação temos as universidades, assim chamadas por que são espaços de pensamento universal, também devem seguir esta regra e permitir todo tipo de debate e de confrontação de ideias.

Defendo a imprensa comercial, mas também outros meios que não sejam comerciais, ou lucrativos, como os comunitários. Esses dialogam com a comunidade, valorizam os costumes locais, suas festas, mantendo sua identidade cultural dentro do país. Na Hungria há uma emissora de rádio comunitária de ciganos e Frank recomendou ao governo que subsidiasse a emissora, pois o povo cigano vivia ali há 400 anos e fazia parte do país, é um grupo étnico particular e deve ter o seu espaço cultural preservado.

Na Guatemala, existe o grupo dos maias com 22 idiomas. São línguas utilizadas e devem ser preservadas, pois fazem parte da riqueza do país. É pela comunicação que um povo se identifica, mostra sua cultura, idioma, valores e tradição. Isso deve ser estendido para todos os povos, inclusive o povo indígena, esse também deve ter seus meios próprios de comunicação, "uma reivindicação muito importante", disse Frank. Não deve haver discriminação econômica, étnica, racial ou mesmo linguística. Todos devem ser informados de igual maneira com liberdade e sem censura.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

De onde vem o interesse pela política sabendo que ela não tem jeito


O fenômeno do interesse pela vida pública sabendo que a política está menos acreditável não é tão difícil de explicar. O autor  John B. Thompson erra em sua obra "A Nova Visibilidade" quando diz que os políticos fazem esforços por uma vida comum para se aproximar mais do povo, visto que diante do poder pessoas antes humildes se tornam menos táteis pela população, numa espécie de sentimento de estar acima da humanidade. Além de se apresentarem como seres imutáveis de erro e íntegros.

O real motivo desse interesse, exposto pelo autor, pode estar ligado a natureza humana de escancarar o roubo, humilhar que antes se achava acima de todos, tirar o poder, e portanto, tornar os políticos iguais aos pobres mortais.

O contato com esse tipo de fato só foi possível com a mudança estrutural do ethos jornalístico, no investimento em investigação que trouxe a euforia das descobertas que evidenciaram escândalos durante o século XX.

Outro motivo foi a vigilância da vida pública com as novas tecnologias, a possibilidade de escancarar os roubos pelo aparato de câmeras escondidas, gravadores e fotografias que podem ser feitas por qualquer pessoa.

Por último, o interesse pela política em tempos de descrédito é o declínio da política ideológica, que muitas pessoas se decepcionaram com a falta de lógica da ideologia com a prática de alguns partidos. A política passou a ser de confiança, centrada na figura apenas do político, no que ele faz, se é honesto e se tem antecedentes que o mancharam. Tudo isso leva a discursão a cada novo pleito, prendendo a atenção de todos na desconfiança do eleitorado e preocupação com seu interesse.

Disputas por visibilidade na era midiática

Diante do fato de no atual momento o domínio público poder ter posse de novas ferramentas comunicacionais, há uma imensa gama de aparições de políticos em diversas situações. Algumas delas para se autopromoverem. Os políticos profissionais sabendo do turbilhão midiático se mostram cada vez mais em situações que podem conferir a eles a credibilidade como proximidade com o povo, solenidades de abertura de alguma obra e outras coisas mais. As assessorias de imprensa, por exemplo, também fazem questão de divulgar imagens que agreguem o valor simbólico de seus assessorados para o público.

* Análise baseada no texto "A Nova Visibilidade" de John B.Thompson
                

terça-feira, 31 de julho de 2012

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Betânia, a cobra e o mundo



Em junho de 1970, uma cantora considerada o novo fenômeno da Música Popular Brasileira chegava ao Recife para o seu primeiro show na capital pernambucana. Hospedada no Hotel São Domingos, no centro, ela recebeu a equipe do Diario escalada para uma entrevista. O repórter Valdi Coutinho e o fotógrafo Maurício Coutinho foram recepcionados pela irmã de Caetano Veloso como se fossem velhos conhecidos, apesar do atraso. Rolou uma conversa pra lá de informal, que rendeu página inteira no Terceiro Caderno, suplemento cultural publicado aos domingos. Na capa, a chamada: “Maria Betânia: eu acho o homem brasileiro lindo”.
Na página 2, uma língua afiada em respostas curtas. Betânia fala de amor total, sucesso, massa ou elite, Capiba, pileque, fossa, amores não correspondidos, filhos, Elis Regina grávida e a sua estreia no Recife. Na abertura da entrevista, Valdi Coutinho ressalta que Betânia estava conversando com um grupo quando a reportagem chegou. No meio da entrevista, ele destaca que “Alguém” pergunta por que Betânia está sempre com uma cobra de ouro enroscada no braço. “Eu amo. Aqui tem um time de futebol que tem a cobra como símbolo, não é?”. O “Alguém” confirma: “sim, o Santa Cruz…”.
Com o passar das décadas, Betânia se tornaria mais reservada. Continuaria autêntica, mas não falaria abertamente das suas preferências. Nesta entrevista histórica ao Diario, a última pergunta era sobre o seu “caso” atual. A resposta vale até hoje: “Ninguém. Amo todo mundo. Não tenho medo de nada. Não sou indiferente. Gosto de Maria Betânia porque não sou minha, sou de Deus e do mundo”.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Pelé foi oferecido ao Sport quando tinha 16 anos.Time rubro negro não quis



No dia 5 de novembro de 1957, o Sport cometeu o maior erro da sua história. Num desses lances que só acontecem uma vez na vida, o Leão teve a oportunidade de contar com o reforço de ninguém menos do que Pelé, oferecido pelo Santos ao então diretor José Rosemblit. Para infelicidade geral da torcida rubro-negra, o clube rejeitou a proposta. O argumento da época foi que o garoto, com 17 anos, era novo e desconhecido. Durante muitos anos esse fato foi questionado e estava fadado a entrar para a posteridade como mais uma lenda do futebol.
Mas agora, 42 anos depois, os incrédulos terão que se curvar às evidências. A reportagem do DIARIO teve acesso a um telegrama, que se julgava perdido ou inexistente, comprovando o oferecimento de Pelé ao rubro-negro pernambucano. A relíquia estava guardada a sete chaves pela família Menezes, a mesma de Ademir, artilheiro da Copa de 50.
Adamir, primo do Queixada, foi quem intermediou a negociação. Por isso, ele acabou ficando com o documento. "Papai era representante comercial e tinha muitos contatos com os clubes de São Paulo. Conversando com o presidente do Santos, ele pediu alguns reforços para o Sport. O telegrama foi a resposta a esse pedido", explica Ronald Menezes.
Com a morte de Adamir, a guarda do precioso telegrama ficou com sua esposa, dona Elza Menezes, e com os cinco filhos do casal, todos rubro-negros doentes, de carteirinha. "Nós sabíamos que, algum dia, iríamos dar esse documento histórico de presente ao Sport. Por isso, guardamos com tanto carinho", falou Adamir Júnior, o mais novo do clã dos Menezes.
Os Menezes guardaram o telegrama com tanto cuidado que a história quase cai no esquecimento. Segundo dona Elza, nem o próprio Pelé sabe da existência do documento. "Sempre quando vinha ao Recife, acompanhando a equipe do Santos, Pelé passava em nossa casa. Lembro que a rua ficava cheia. Mas eu nunca mostrei o telegrama a ele e acredito que meu marido também não".
Apesar da vontade da família em repassar o telegrama ao Sport, a oportunidade só surgiu por acaso,num churrasco, semana passada. Os irmãos Menezes encontraram o diretor de Futebol do clube, Fernando Lima. No meio da conversa surgiu o assunto. Fernando não perdeu tempo e confiscou o documento para o museu rubro-negro. "Vamos fazer uma grande homenagem a esta família para agradecer a doação", avisou o dirigente.
AZAR - Mais do que incompetência dos dirigentes rubro-negros da época, o desinteresse por Pelé parece ter sido pura falta de sorte. "Ninguém tem bola de cristal. Naquele tempo, o intercâmbio entre os clubes era muito pequeno. Não existia televisão transmitindo os jogos ao vivo como hoje. Ninguém poderia imaginar que um garoto desconhecido poderia se tornar o que se tornou", argumentou Rômulo Menezes.
Fernando Lima, que hoje é um dos responsáveis pelas contratações do Sport, também absolve Rosemblit e Adelmar Costa Carvalho, presidente do clube em 57, de qualquer culpa. "Eles não poderiam prever o futuro". Mas Modesto Roma, presidente do Santos na ocasião, já previa o potencial de Pelé. Tanto é que a negociação seria por empréstimo e por apenas quatro meses. A transação, do ponto de vista santista, era apenas para dar experiência ao atleta, que naquele momento era reserva de Pagão.

Junto com Pelé, e até com mais destaque, o Peixe também oferecia Ciro. Se na época do episódio ele era mais conhecido do que o Rei, passou para história apenas como coadjuvante. A reportagem do DIARIO passou os últimos quatro dias tentando localizá-lo e não encontrou nenhuma pista.
Enquanto Ciro mergulhava no anonimato, Pelé começava a ganhar projeção nacional. A convocação para a Seleção Brasileira não demorou e, sete meses depois, conquistava a Copa do Mundo. Estava iniciada a trajetória que o levaria ao título de Atleta do Século.
DESTINO - Mas será que a história seria a mesma se o Sport resolvesse ficar com o camisa 10 ? "Isso ninguém jamais vai saber", responde Romildo Menezes. Muito provavelmente, Pelé não seria convocado para a Seleção campeã mundial na Suécia. Talvez a Seleção nem fosse campeã. E se ele fosseconvocado, o Rei iria atuar ao lado de Vavá que, esse sim, jogou no rubro-negro pernambucano.
Agora, para o Sport as coisas poderiam mudar muito. Talvez o Leão fosse campeão estadual, acrescentando mais uma estrela as suas conquistas e, de quebra, tirando o título de supercampeão, em 57, do rival Santa Cruz. Chato seria para os torcedores dos times adversários terem que aguentar os rubro-negros se gabando do fato do Rei do Futebol já ter vestido o manto rubro-negro.

terça-feira, 26 de junho de 2012

Futuro do consumo está no NE, diz Globo

Após prestar atenção à classe C, diretor-geral da rede de TV diz que publicidade precisa levar em conta consumo regional

'PIB do Nordeste já é maior que o da Argentina', afirma diretor-geral da Rede Globo em evento em SP
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NELSON DE SÁ - ARTICULISTA DA FOLHA
Octávio Florisbal, diretor-geral da Rede Globo, afirmou ontem no Encontro de Mídias, em São Paulo, que a publicidade brasileira deve se preparar para o aumento do consumo "em todo o país", o que exigirá "não atuar de forma tão genérica como hoje".

Destacando o Nordeste, mas também citando outras regiões, como o Centro-Oeste, diz que os profissionais da área, mas também os anunciantes e os próprios veículos, precisarão "entender cada vez mais os consumidores novos nessas regiões".

Precisarão "não olhar mais o Brasil de forma monolítica", disse ele à Folha, encerrada sua palestra. Defendeu recorrer a "pesquisas sociológicas e antropológicas", como a Globo vem fazendo para conhecer os "ascendentes" da chamada classe C.

Exemplifica com uma pesquisa que acabou de analisar, mostrando que no próprio Nordeste as divergências de comportamento já começam a se mostrar significativas para a publicidade, com "hábitos e objetivos distintos".

"Pernambuco e Bahia têm diferenças de comportamento em vestuário", diz Florisbal. "O pernambucano é mais como o paulista" e se veste com roupas escuras, para ocasiões de maior rigor, enquanto o baiano é "mais colorido" em toda situação.

"O PIB do Nordeste já é maior que o da Argentina", diz o diretor-geral da Globo.

Tudo pode


"O Maluf é que deveria estar atrás das grades e condenado à prisão perpétua por causa da roubalheira na prefeitura"
Lula, então presidente de honra do PT, sobre Maluf, em 24 de julho de 2000, durante campanha por Marta Suplicy



"Estou feliz.... Afinal, não estamos em campanha. Enquanto isso, alguns desocupados, como é o caso de Lula, andando pelo Brasil com emprego dado pelo PT, ganham o dinheiro dos trabalhadores"
Paulo Maluf, em 18 agosto de 1993, em entrevista ao "Jornal da Tarde"

sábado, 16 de junho de 2012

O que é a Carta da Terra?



A Carta da Terra é um documento de cooperação mundial tendo em vista fatores, sobretudo ambientais, que vêm afetando a humanidade com mais intensidade desde a metade do século passado.

A legitimidade da Carta da Terra foi possível graças ao reconhecimento da Organização das Nações Unidas (ONU), que observou a emergência e de um debate ético acerca do assunto. O planeta está vivendo em perigo com tantas tomadas de decisões que afetam o meio ambiente, que há uma necessidade de aprofundamento na discussão de forma cooperada entre os responsáveis, ou seja, governos, empresas e sociedade civil.

A origem da Carta da Terra vem do início da década de 1990, quando a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento recebeu uma chamada que continha no relatório Nosso Futuro Comum para que criasse uma “Declaração Universal de Proteção Ambiental e Desenvolvimento Sustentável” na forma de uma “nova carta” com princípios que orientassem nas noções para realizar um desenvolvimento sustentável em seus países e ser apresentada na Eco-92, na cidade do Rio de Janeiro.

Após a elaboração dos princípios e da conduta ética durante a década de 1990, a Carta da Terra foi apresentada no ano 2000 em Haia, e no ano de 2005 se tornou amplamente reconhecida em âmbito global justamente por levantar desafios e a visão de futuro do planeta.

Os envolvidos diretamente na elaboração da Carta da Terra dividiram responsabilidades e fizeram tão bom trabalho que atualmente o site www.cartadaterrabrasil.org recebe muitas visitas devido a credibilidade que alcançou e serve de orientação para elaboração de desenvolvimentos de políticas, legislação, padrões a serem seguidos e acordos internacionais entre diversos países.

Em sua forma, a Carta da Terra está organizada em preâmbulo, cinco capítulos e quatro princípios, que são subdivididos e detalhados em 16 pontos. Já o conteúdo propriamente dito versa especifica basicamente sobre a situação de hoje, os desafios, as responsabilidades e o papel atual de cada um para a construção do futuro.

Confira o texto da Carta da Terra na íntegra:

PREÂMBULO

Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro reserva, ao mesmo tempo, grande perigo e grande esperança. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio de uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos nos juntar para gerar uma sociedade sustentável global fundada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade de vida e com as futuras gerações.

TERRA, NOSSO LAR

A humanidade é parte de um vasto universo em evolução. A Terra, nosso lar, é viva como uma comunidade de vida incomparável. As forças da natureza fazem da existência uma aventura exigente e incerta, mas a Terra providenciou as condições essenciais para a evolução da vida. A capacidade de recuperação da comunidade de vida e o bem-estar da humanidade dependem da preservação de uma biosfera saudável com todos seus sistemas ecológicos, uma rica variedade de plantas e animais, solos férteis, águas puras e ar limpo. O meio ambiente global com seus recursos finitos é uma preocupação comum de todos os povos. A proteção da vitalidade, diversidade e beleza da Terra é um dever sagrado.

A SITUAÇÃO GLOBAL

Os padrões dominantes de produção e consumo estão causando devastação ambiental, esgotamento dos recursos e uma massiva extinção de espécies. Comunidades estão sendo arruinadas. Os benefícios do desenvolvimento não estão sendo divididos eqüitativamente e a diferença entre ricos e pobres está aumentando. A injustiça, a pobreza, a ignorância e os conflitos violentos têm aumentado e são causas de grande sofrimento. O crescimento sem precedentes da população humana tem sobrecarregado os sistemas ecológico e social. As bases da segurança global estão ameaçadas. Essas tendências são perigosas, mas não inevitáveis.

DESAFIOS FUTUROS

A escolha é nossa: formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros ou arriscar a nossa destruição e a da diversidade da vida. São necessárias mudanças fundamentais em nossos valores, instituições e modos de vida. Devemos entender que, quando as necessidades básicas forem supridas, o desenvolvimento humano será primariamente voltado a ser mais e não a ter mais. Temos o conhecimento e a tecnologia necessários para abastecer a todos e reduzir nossos impactos no meio ambiente. O surgimento de uma sociedade civil global está criando novas oportunidades para construir um mundo democrático e humano. Nossos desafios ambientais, econômicos, políticos, sociais e espirituais estão interligados e juntos podemos forjar soluções inclusivas.

RESPONSABILIDADE UNIVERSAL

Para realizar estas aspirações, devemos decidir viver com um sentido de responsabilidade universal, identificando-nos com a comunidade terrestre como um todo, bem como com nossas comunidades locais. Somos, ao mesmo tempo, cidadãos de nações diferentes e de um mundo no qual as dimensões local e global estão ligadas. Cada um compartilha responsabilidade pelo presente e pelo futuro bem-estar da família humana e de todo o mundo dos seres vivos. O espírito de solidariedade humana e de parentesco com toda a vida é fortalecido quando vivemos com reverência o mistério da existência, com gratidão pelo dom da vida e com humildade em relação ao lugar que o ser humano ocupa na natureza.

Necessitamos com urgência de uma visão compartilhada de valores básicos para proporcionar um fundamento ético à comunidade mundial emergente. Portanto, juntos na esperança, afirmamos os seguintes princípios, interdependentes, visando a um modo de vida sustentável como padrão comum, através dos quais a conduta de todos os indivíduos, organizações, empresas, governos e instituições transnacionais será dirigida e avaliada.

PRINCÍPIOS

I. RESPEITAR E CUIDAR DA COMUNIDADE DE VIDA

1. Respeitar a Terra e a vida em toda sua diversidade.

    Reconhecer que todos os seres são interdependentes e cada forma de vida tem valor, independentemente de sua utilidade para os seres humanos.
    Afirmar a fé na dignidade inerente de todos os seres humanos e no potencial intelectual, artístico, ético e espiritual da humanidade.

2. Cuidar da comunidade da vida com compreensão, compaixão e amor.

    Aceitar que, com o direito de possuir, administrar e usar os recursos naturais, vem o dever de prevenir os danos ao meio ambiente e de proteger os direitos das pessoas.
    Assumir que, com o aumento da liberdade, dos conhecimentos e do poder, vem a
    maior responsabilidade de promover o bem comum.

3. Construir sociedades democráticas que sejam justas, participativas, sustentáveis e pacíficas.

    Assegurar que as comunidades em todos os níveis garantam os direitos humanos e as liberdades fundamentais e proporcionem a cada pessoa a oportunidade de realizar seu pleno potencial.
    Promover a justiça econômica e social, propiciando a todos a obtenção de uma condição de vida significativa e segura, que seja ecologicamente responsável.

4. Assegurar a generosidade e a beleza da Terra para as atuais e às futuras gerações.

    Reconhecer que a liberdade de ação de cada geração é condicionada pelas necessidades das gerações futuras.
    Transmitir às futuras gerações valores, tradições e instituições que apóiem a prosperidade das comunidades humanas e ecológicas da Terra a longo prazo.

II. INTEGRIDADE ECOLÓGICA

5. Proteger e restaurar a integridade dos sistemas ecológicos da Terra, com especial atenção à diversidade biológica e aos processos naturais que sustentam a vida.

    Adotar, em todos os níveis, planos e regulamentações de desenvolvimento sustentável que façam com que a conservação e a reabilitação ambiental sejam parte integral de todas as iniciativas de desenvolvimento.
    stabelecer e proteger reservas naturais e da biosfera viáveis, incluindo terras selvagens e áreas marinhas, para proteger os sistemas de sustento à vida da Terra, manter a biodiversidade e preservar nossa herança natural.
    Promover a recuperação de espécies e ecossistemas ameaçados.
    Controlar e erradicar organismos não-nativos ou modificados geneticamente que
    causem dano às espécies nativas e ao meio ambiente e impedir a introdução desses
    organismos prejudiciais.
    Administrar o uso de recursos renováveis como água, solo, produtos florestais e vida marinha de forma que não excedam às taxas de regeneração e que protejam a saúde dos ecossistemas.
    Administrar a extração e o uso de recursos não-renováveis, como minerais e combustíveis fósseis de forma que minimizem o esgotamento e não causem dano ambiental grave.

6. Prevenir o dano ao ambiente como o melhor método de proteção ambiental e, quando o conhecimento for limitado, assumir uma postura de precaução.

    Agir para evitar a possibilidade de danos ambientais sérios ou irreversíveis, mesmo quando o conhecimento científico for incompleto ou não-conclusivo.
    Impor o ônus da prova naqueles que afirmarem que a atividade proposta não causará dano significativo e fazer com que as partes interessadas sejam responsabilizadas pelo dano ambiental.
    Assegurar que as tomadas de decisão considerem as conseqüências cumulativas, a longo prazo, indiretas, de longo alcance e globais das atividades humanas.
    Impedir a poluição de qualquer parte do meio ambiente e não permitir o aumento de substâncias radioativas, tóxicas ou outras substâncias perigosas.
    Evitar atividades militares que causem dano ao meio ambiente.

7. Adotar padrões de produção, consumo e reprodução que protejam as capacidades regenerativas da Terra, os direitos humanos e o bem-estar comunitário.

    Reduzir, reutilizar e reciclar materiais usados nos sistemas de produção e consumo e garantir que os resíduos possam ser assimilados pelos sistemas ecológicos.
    Atuar com moderação e eficiência no uso de energia e contar cada vez mais com fontes energéticas renováveis, como a energia solar e do vento.
    Promover o desenvolvimento, a adoção e a transferência eqüitativa de tecnologias
    ambientais seguras.
    Incluir totalmente os custos ambientais e sociais de bens e serviços no preço de venda e habilitar os consumidores a identificar produtos que satisfaçam às mais altas normas sociais e ambientais.
    Garantir acesso universal à assistência de saúde que fomente a saúde reprodutiva e a reprodução responsável.
    Adotar estilos de vida que acentuem a qualidade de vida e subsistência material num mundo finito.

8. Avançar o estudo da sustentabilidade ecológica e promover o intercâmbio aberto e aplicação ampla do conhecimento adquirido.

    Apoiar a cooperação científica e técnica internacional relacionada à sustentabilidade, com especial atenção às necessidades das nações em desenvolvimento.
    Reconhecer e preservar os conhecimentos tradicionais e a sabedoria espiritual em todas as culturas que contribuem para a proteção ambiental e o bem-estar humano.
    Garantir que informações de vital importância para a saúde humana e para a proteção ambiental, incluindo informação genética, permaneçam disponíveis ao domínio público.

III. JUSTIÇA SOCIAL E ECONÔMICA

9. Erradicar a pobreza como um imperativo ético, social e ambiental.

    Garantir o direito à água potável, ao ar puro, à segurança alimentar, aos solos não contaminados, ao abrigo e saneamento seguro, alocando os recursos nacionais e internacionais demandados.
    Prover cada ser humano de educação e recursos para assegurar uma condição de vida sustentável e proporcionar seguro social e segurança coletiva aos que não são capazes de se manter por conta própria.
    Reconhecer os ignorados, proteger os vulneráveis, servir àqueles que sofrem e habilitá-los a desenvolverem suas capacidades e alcançarem suas aspirações.

10. Garantir que as atividades e instituições econômicas em todos os níveis promovam o desenvolvimento humano de forma eqüitativa e sustentável.

    Promover a distribuição eqüitativa da riqueza dentro das e entre as nações.
    Incrementar os recursos intelectuais, financeiros, técnicos e sociais das nações em desenvolvimento e liberá-las de dívidas internacionais onerosas.
    Assegurar que todas as transações comerciais apóiem o uso de recursos sustentáveis, a proteção ambiental e normas trabalhistas progressistas.
    Exigir que corporações multinacionais e organizações financeiras internacionais
    atuem com transparência em benefício do bem comum e responsabilizá-las pelas
    conseqüências de suas atividades.

11. Afirmar a igualdade e a eqüidade dos gêneros como pré-requisitos para o desenvolvimento sustentável e assegurar o acesso universal à educação, assistência de saúde e às oportunidades econômicas.

    Assegurar os direitos humanos das mulheres e das meninas e acabar com toda violência contra elas.
    Promover a participação ativa das mulheres em todos os aspectos da vida econômica, política, civil, social e cultural como parceiras plenas e paritárias, tomadoras de decisão, líderes e beneficiárias.
    Fortalecer as famílias e garantir a segurança e o carinho de todos os membros da
    família.

12. Defender, sem discriminação, os direitos de todas as pessoas a um ambiente natural e social capaz de assegurar a dignidade humana, a saúde corporal e o bem-estar espiritual, com especial atenção aos direitos dos povos indígenas e minorias.

    Eliminar a discriminação em todas as suas formas, como as baseadas em raça, cor, gênero, orientação sexual, religião, idioma e origem nacional, étnica ou social.
    Afirmar o direito dos povos indígenas à sua espiritualidade, conhecimentos, terras e recursos, assim como às suas práticas relacionadas com condições de vida sustentáveis.
    Honrar e apoiar os jovens das nossas comunidades, habilitando-os a cumprir seu
    papel essencial na criação de sociedades sustentáveis.
    Proteger e restaurar lugares notáveis pelo significado cultural e espiritual.

IV. DEMOCRACIA, NÃO-VIOLÊNCIA E PAZ

13. Fortalecer as instituições democráticas em todos os níveis e prover transparência e responsabilização no exercício do governo, participação inclusiva na tomada de decisões e acesso à justiça.

    Defender o direito de todas as pessoas receberem informação clara e oportuna sobre assuntos ambientais e todos os planos de desenvolvimento e atividades que possam afetá-las ou nos quais tenham interesse.
    Apoiar sociedades civis locais, regionais e globais e promover a participação significativa de todos os indivíduos e organizações interessados na tomada de decisões.
    Proteger os direitos à liberdade de opinião, de expressão, de reunião pacífica, de associação e de oposição.
    Instituir o acesso efetivo e eficiente a procedimentos judiciais administrativos e independentes, incluindo retificação e compensação por danos ambientais e pela ameaça de tais danos.
    Eliminar a corrupção em todas as instituições públicas e privadas.
    Fortalecer as comunidades locais, habilitando-as a cuidar dos seus próprios ambientes, e atribuir responsabilidades ambientais aos níveis governamentais onde possam ser cumpridas mais efetivamente.

14. Integrar, na educação formal e na aprendizagem ao longo da vida, os conhecimentos, valores e habilidades necessárias para um modo de vida sustentável.

    Prover a todos, especialmente a crianças e jovens, oportunidades educativas que lhes permitam contribuir ativamente para o desenvolvimento sustentável.
    Promover a contribuição das artes e humanidades, assim como das ciências, na educação para sustentabilidade.
    Intensificar o papel dos meios de comunicação de massa no aumento da conscientização sobre os desafios ecológicos e sociais.
    Reconhecer a importância da educação moral e espiritual para uma condição de vida sustentável.

15. Tratar todos os seres vivos com respeito e consideração.

    Impedir crueldades aos animais mantidos em sociedades humanas e protegê-los de sofrimento.
    Proteger animais selvagens de métodos de caça, armadilhas e pesca que causem sofrimento extremo, prolongado ou evitável.
    Evitar ou eliminar ao máximo possível a captura ou destruição de espécies não visadas.

16. Promover uma cultura de tolerância, não-violência e paz.

    Estimular e apoiar o entendimento mútuo, a solidariedade e a cooperação entre todas as pessoas, dentro das e entre as nações.
    Implementar estratégias amplas para prevenir conflitos violentos e usar a colaboração na resolução de problemas para administrar e resolver conflitos ambientais e outras disputas.
    Desmilitarizar os sistemas de segurança nacional até o nível de uma postura defensiva não-provocativa e converter os recursos militares para propósitos pacíficos, incluindo restauração ecológica.
    Eliminar armas nucleares, biológicas e tóxicas e outras armas de destruição em
    massa.
    Assegurar que o uso do espaço orbital e cósmico ajude a proteção ambiental e a paz.
    Reconhecer que a paz é a plenitude criada por relações corretas consigo mesmo, com outras pessoas, outras culturas, outras vidas, com a Terra e com a totalidade maior da qual somos parte.

O CAMINHO ADIANTE

Como nunca antes na História, o destino comum nos conclama a buscar um novo começo. Tal renovação é a promessa destes princípios da Carta da Terra. Para cumprir esta promessa, temos que nos comprometer a adotar e promover os valores e objetivos da Carta.

Isto requer uma mudança na mente e no coração. Requer um novo sentido de interdependência global e de responsabilidade universal. Devemos desenvolver e aplicar com imaginação a visão de um modo de vida sustentável nos níveis local, nacional, regional e global. Nossa diversidade cultural é uma herança preciosa e diferentes culturas encontrarão suas próprias e distintas formas de realizar esta visão. Devemos aprofundar e expandir o diálogo global que gerou a Carta da Terra, porque temos muito que aprender a partir da busca conjunta em andamento por verdade e sabedoria.

A vida muitas vezes envolve tensões entre valores importantes. Isto pode significar escolhas difíceis. Entretanto, necessitamos encontrar caminhos para harmonizar a diversidade com a unidade, o exercício da liberdade com o bem comum, objetivos de curto prazo com metas de longo prazo. Todo indivíduo, família, organização e comunidade tem um papel vital a desempenhar. As artes, as ciências, as religiões, as instituições educativas, os meios de comunicação, as empresas, as organizações não-governamentais e os governos são todos chamados a oferecer uma liderança criativa. A parceria entre governo, sociedade civil e empresas é essencial para uma governabilidade efetiva.

Para construir uma comunidade global sustentável, as nações do mundo devem renovar seu compromisso com as Nações Unidas, cumprir com suas obrigações respeitando os acordos internacionais existentes e apoiar a implementação dos princípios da Carta da Terra com um instrumento internacionalmente legalizado e contratual sobre o ambiente e o desenvolvimento.

Que o nosso tempo seja lembrado pelo despertar de uma nova reverência face à vida, pelo compromisso firme de alcançar a sustentabilidade, a intensificação dos esforços pela justiça e pela paz e a alegre celebração da vida.