sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Repórter negociou com membro do PCC,evitando rebelião em presídio

O Repórter do Novo Jornal,de Natal,Anderson Barbosa, negociou no presídio de Alcaçuz na última quinta-feira (15) com um membro do PCC que reivindicava alimentação de qualidade e abertura de visita íntima, já que os agentes penitenciários fizeram isso por quererem entrar em greve contra o estado por melhores condições de trabalho. Obtido sucesso na negociação, o repórter foi responsável por evitar uma rebelião.

Confira o excelente texto e como foi a conversa entre o Repórter e o bandido:

João Maria não é um apenado qualquer. Condenado por tráfico de drogas, ele tornou-se hospede de Alcaçuz há oito meses. Esta é sua segunda estadia. Tinha sido posto em liberdade no ano passado para cumprir o regime semiaberto, mas como largou mão do benefício, foi preso novamente. João Maria agora é famoso. João Maria liderou a rebelião em Alcaçuz. João Maria negociou a saída das 54 mulheres que dormiram no presídio. 

João Maria é interno do pavilhão 1. Lá estão alguns dos criminosos mais perigosos do estado. É naquela ala onde as leis de Alcaçuz são discutidas. É no pavilhão 1 onde come e dorme a célula do PCC no Rio Grande do Norte. João Maria é do PCC. “Aqui todo mundo é irmão. Todo mundo é do PCC”, afirmou ele, todo gabola.

Quando o telefone tocou, eu não sabia quem era do outro lado da linha. Porém, ao final desta história, vou revelar que duas coisas ficaram gravadas depois desta ligação surpresa. Uma delas vai desaparecer. Não tenho dúvida que vai. A outra, tenho certeza que ninguém apagará. 

João Maria:
 Aqui a situação tá feia. Vai ficar pior se a governadora não vier negociar com nós. Queremos Rosalba e o corregedor. Avisa pro diretor (major Marco Lisboa) que tem gente aqui que vai morrer. Se não atenderem nossas reivindicações, vamos mandar um aviso pra eles verem que aqui ninguém tá de brincadeira.

Repórter: Quem vai morrer? Vocês vão matar quem? Que papo é esse? Vocês vão matar as próprias mulheres de vocês? 

João Maria: Não. Aqui ninguém vai machucar a mulher de ninguém. Mas tem preso aqui que merece morrer. 

Repórter:
 Essas mulheres estão aí fazendo o que? O que vocês querem pra soltá-las?

João Maria: Elas estão aqui porque querem, pra ajudar a gente. Mas só vão sair quando a governadora prometer que a nossa situação vai melhorar. Por que não deixaram a nossa comida entrar? 

Repórter: Os agentes penitenciários proibiram. Eles dizem que comida, material de higiene e limpeza é o Estado que tem de fornecer. 

João Maria:
 Essa porcaria que dão pra gente nem cachorro come. Aqui a gente passa fome. Tem preso doente por causa dessa comida estragada. Vem você comer essa merda. Quero ver a governadora e o secretário comerem essa merda.

Repórter: Fica calmo. Tô indo pra Alcaçuz. Quem é que tá no comando aí? 

João Maria:
 Quem manda aqui é o PCC. Aqui todo mundo é irmão. Todo mundo é o PCC. Venha que a gente quer a imprensa aqui. Com vocês aqui, a polícia não faz nada com a gente. Se não tiver imprensa aqui, eles vão invadir. Vai ter morte, tô avisando.

Repórter:
 Espera que eu tô chagando. Quando eu estiver aí, ligo de volta. Deixa o telefone ligado. Quem te deu o telefone que você tá usando?

João Maria: Você sabe que visita não entra com celular. Quem entra com telefone são os agentes. É só pagar que você recebe.

Repórter: Quem são os agentes? Quanto custa o telefone?

João Maria: Sou burro não. Se disser o nome deles eu morro. O telefone custa mil reais. 

Repórter: Ficou caro, né? Ano passado um colega seu disse que valia uns R$ 200 ou R$ 300, no máximo. 

João Maria: Por este valor você não compra nem o chip. 

Repórter:
 Vou desligar. Quando chegar aí eu ligo. 

A reportagem deixou a redação do NOVO JORNAL, no bairro da Ribeira, por volta das R$ 7h. Até Alcaçuz, em Nísia Floresta, em função da chuva e do trânsito lento, o percurso demorou quase uma hora. E logo na entrada da penitenciária, ficou nítido que havia algo errado. 

Estranhamente, apenas os agentes penitenciários estavam no rol de entrada de Alcaçuz. Dez ao todo. Apenas dez homens para tomar conta de mais de 700 presos. No presídio a Polícia Militar fica do lado de fora, fazendo a guarda externa. Dentro, só os agentes penitenciários. Apenas os dez.

Repórter: João, aqui só tem agente penitenciário. O diretor (major Marcos Lisboa) não está aqui. Nem o coordenador (José Olímpio). 

João Maria: Cadê você? Aparece aí no portão pra eu ver. 

Repórter:
 Tô aqui. Tá vendo? Acena aí pra eu te ver.

João Maria: Tô aqui. Tá vendo bandeira do PCC. Vou balançar pra você ver.

Repórter: Balança pro fotógrafo fazer a foto. 

João Maria: Manda esse policial que dá do teu lado sair daí. 

Repórter: Aqui não tem PM. Só tem agente penitenciário.

João Maria: Esse que tá aí, do teu lado. Manda ele sair.

Repórter: É o Ney Douglas, meu fotógrafo. Essa capa verde é de chuva. Se molhar a câmera não tem foto.

João Maria: (depois de gargalhar) Cara, ele parece um PM. E cadê o secretário? Cadê a governadora? 

Repórter:
 João, a governadora não vem. Você me disse que não é burro. Você acha mesmo que a governadora vai se curvar pra preso? Ela é a governadora do estado. Já liguei para o secretário Thiago Cortez (Sejuc) e ele disse que também não vem. Mas a imprensa tá aqui. É só você exigir a nossa presença e nós vamos conversar. Tá certo assim?

João Maria:
 Então liga pra Wellington (o vice-diretor). Aí você entra com ele e a gente negocia.

Repórter: Eu não negocio nada. Posso ir com ele pra você ver que estamos aqui pra resolver sem precisar a polícia entrar. Não é isso que você quer? Você me ajuda que eu te ajudo. Fechado?

João Maria: Eu vou dar 15 minutos pro Wellington chegar. Se ele não aparecer vamos mandar um aviso. Quem é que tá na chefia aí? 

Repórter: Aqui só tem agente penitenciário. O chefe da equipe é o Eduardo. Vou passar pra ele. Não desliga.

Neste momento o agente Eduardo Júnior, chefe da equipe, pega o telefone da reportagem e conversa com João Maria. Dois minutos de conversa foi tempo suficiente para o agente garantir ao preso que não haveria represália. “Da minha parte você pode ficar tranquilo. Wellington já tá vindo pra cá. Quando ele chegar vocês conversam. As mulheres saem e tudo fica numa boa. Pode confiar que ninguém vai sofrer nada”, disse Eduardo, devolvendo o telefone ao repórter. 

Repórter: Tá vendo João. Tá limpeza. Deixa as mulheres saírem.

João Maria: Só quando eu falar com Wellington. Ele tem que voltar pra direção. Ele a gente respeita. Esse diretor que tá aí (major Lisboa) só faz humilhar a gente. 

Repórter:
 João, espera aí que o carro de Wellington tá chegando. Acho que é ele. Não desliga que vou passar o telefone pra ele. Não desliga.
Wellington entrou em Alcaçuz por volta das 8h20. Naquele exato instante, já fazia praticamente 24 horas que as mulheres estavam dentro do presídio. 

Repórter: Wellington, tem um preso aqui na linha querendo falar com você. Ele disse que só negocia com o senhor.

Wellington Marques: É você João? Tenha calma que eu vou aí falar com você. Vai sim, a imprensa vai sim. Anderson tá aqui do meu lado e vai também. Tô entrando. 

Portões abertos, o vice-diretor caminhou em direção ao pavilhão 1. Do rol de entrada até o portão que dá acesso ao pavilhão, são quase 200 metros. Wellington seguia na frente, com os agentes penitenciários armados logo atrás. Na cola deles, naquele momento, toda a imprensa. Além do NOVO JORNAL, jornalistas da TV Cabugi, Ponta Negra, Tropical, Sim TV, Band, TV União, Diário de Natal, Tribuna do Norte, Jornal de Hoje, Portal BO e Nominuto.

Um comentário:

  1. e cade o diretor? pq se o mesmo estava em alcaçuz o vice quem teve que resolver?

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