Por José Marques de Melo
As ciências sociais ganharam legitimidade internacional no processo de descolonização supervisionado pela ONU na conjuntura posterior à derrota do nazi-fascismo na Batalha de Stalingrado. A valorização da democracia política como sustentáculo do desenvolvimento econômico conferiu papel crucial aos meios de comunicação de massa. Por isso, a Unesco introduziu a criação de uma comunidade mundial dos cientistas da comunicação da mesma maneira que procedera nas disciplinas de economia, sociologia, política e antropologia.
Embora desencadeado em 1949, o processo de constituição do espaço acadêmico mundial da comunicação somente ganhou força a partir de 1957, quando foi fundada a International Association for Mass Communication Research (IAMCR). Sob hegemonia franco-americana, a nova associação internacional de pesquisa de comunicação de massa foi respaldada por um conjunto de países do bloco capitalista – especialmente a Inglaterra e a Itália – e do bloco comunista – URSS à frente, acolitada pela Polônia e pela Hungria – e legitimada por Países de Terceiro Mundo – entre eles, o Brasil. Essa entidade cresceu sob a tensão da guerra fria, mantendo um equilíbrio político entre as forças em disputa epistemológica.
Todavia, depois da queda do muro de Berlim, as relações de poder nessa comunidade vêm se inclinando significativamente para uma espécie de unipolaridade, que deixou de ser geopolítica para se tornar geocultural. Em decorrência, as matrizes que configuram o pensamento anglo-americano tornaram-se dominantes no mundo globalizado, enfraquecendo a multipolaridade avalizada pelas agências da ONU.
Essa transformação do campo comunicacional em espaço anglófono vem se dando principalmente pela inércia dos países pertencentes a outros agrupamentos geoculturais, que assimilam e reproduzem as matrizes do pensamento anglófono, pouco a pouco legitimado como “pensamento único”.
Iniciativas como a dos países nórdicos, aglutinados pelo Nordicom, mostram-se positivas, suscitando o lançamento de ofensas do gênero. Inspiradas nessa bem-sucedida experiência, as lideranças ibero-americanas assinaram o Protocolo de Guadalajara (2007), que criou condições para o Pacto da Ilha da Madeira (2009), etapa decisiva para a criação de uma comunidade internacional que pode fincar a bandeira ibero-americana no espaço mundial das ciências da comunicação. Nesse sentido, o Congresso Mundial de São Paulo (2011), realizado no Campus da USP na primeira semana de agosto, conotou perspectivas alvissareiras.
A adesão de 500 participantes, selecionados criteriosamente num universo de quase mil resumos inscritos, confirmou que estamos no caminho certo. Vale a pena prosseguir nessa batalha para afirmar nossa soberania intelectual, evitando que a identidade cultural amalgamada pela mestiçagem ibero-americana seja dissolvida gradativamente nas malhas da “aldeia global”.
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